As informações contidas aqui são fruto de pesquisa pessoal, e de
conversa em sala de aula e troca de informações com profissionais, como Khaled
Emam, Hayat El Helwa, Lulu Brasil, Beatriz Simbiya Ricco, Mileni Nurhan,
Claudia Cenci e Giuliana Scorza.
(matéria escrita em Maio/2012)
Não sou dona da
verdade, sou uma eterna aprendiz, se algo estiver errado, por favor me falem,
para poder corrigir e assim passar a informação correta. Veja bem.. errado, lá
no Egito, pros Egípcios...e não o que você acha que está errado porque, não condiz
com o que você acha.. certo?!...
SHAABI
–
por Faridah Mahaila
Aqui
no Brasil, até a pouco tempo, não se falava muito sobre shaabi... mas ele está
entre as bailarinas a muito tempo, e ninguém nem sabia...
Antes de tudo vamos voltar no tempo..
Na década de 70, muita coisa aconteceu no Egito...
- Houve a perda de três cantores amados: Farid Al Atrache, Om Kalthoum e Abdel Halim Hafez, marcando o
fim da época de ouro, do amor puro, inatingivel e da sexualidade reprimida.
- Gamal
Abdel Nasser, presidente do Egito, morre. O governo seguinte abre as portas do
Egito para o ocidente, havendo maior turismo e fazendo com que o dinheiro fluisse.
- Mobilidade da população rural para
o Cairo
- Surgimento das fitas cassetes e aparelhos de som.
Com o dinheiro fluindo, mesmo que pouco, as pessoas da
classe trabalhadora puderam comprar aparelhos de som, e com a produção de fitas
cassete, tanto caseira como pirata, puderam então sustentar uma voz, chamada
“voz do povo”.
O pai do shaabi foi Ahmed Adaweya, que nos anos 70 começou a cantar regularmente
nos clubes em Shariaa al Haram (Pyramids Road). Com raízes baladi, voz rouca, e
memoraveis Mawaweel (plural de Mawwal(*)), usou a voz para
cantar canções de protesto e várias injustiças sociais. Seu primeiro cassete
foi em 71. Sua popularidade cresceu e ele vendeu milhares de cassetes. Grandes
bailarinas dançaram ao seu lado.. como Zouher Zaki, Fifi Abdo...
Mas afinal o que é Shaabi?
Não.. não é um bicho de sete cabeças, nem coisa “proibida”,
muito menos somente baixaria e palhaçada.
Como uma palavra, Shaabi tem múltiplos
significados em árabe: "Popular
(do povo)" "populares"
A origem literal da palavra
Shaabi (Sha'bi) em árabe egípcio é "das pessoas comuns". Aqui vamos
nos referir a ela como a música criada por pessoas da classe trabalhadora,
principalmente da geração mais jovem.
Como uma forma musical, Shaabi é a voz da rua, do povo; uma expressão urbana cheia de sentimento,
duplos sentidos, comentário social, politica, etc.
O
estilo de voz para o shaabi também é de fundamental importância, sendo sempre
uma voz mais rude, sem muito refinamento.
As músicas tem combinações de instrumentos tradicionais e
modernos.
Geralmente começa com Mawwal (nem todas). . que pode falar
de amor, questões sociais, etc. O Mawwal não tem ritmo, mas pode ser
acompanhado ou “respondido” por nai tradicional, acordeon moderno ou saxofone.
Após
o Mawwal e antes da canção, a melodia é geralmente um ritmo rápido (ex.
Maqsoum)
As
músicas são curtas, com linguagem popular e gírias. As letras são bem simples.
Músicas baladis cantadas também são consideradas shaabi
(confirmei esta informação com a mestra Hayat el Helwa e com o egipcio Khaled
Emam)
Como uma
dança, Shaabi reflete uma expressão verdadeira e autêntica do povo egípcio e seu humor,
charme e brincadeira; os movimentos são mais “terra”, sem influencia de giros, nem grandes
deslocamentos, passos principalmente com pé no chão, não é uma dança com
postura elegante, como por exemplo de Nagwa Fouad, os movimentos são simples,
os básicos tradicionais, mas a dança é muito cheia de sentimento e emoção.
Expressão é característica fundamental, e pode ter alguns gestos relativos a
letra da música, principalmente nos shaabis modernos.
A
maioria das dançarinas profissionais do Cairo usam este estilo em seus shows,
sendo Fifi Abdo sua maior expressão, com sua dança solta e leve, porém
"grudada" na terra, sem praticamente nenhuma influência do ballet ou
outras danças.
Fifi
Abdo
Já a algum tempo, alguns bailarinos e coreógrafos egípcios,
como Mohamed Shahin e Mohamed Kazafy, dão workshops, onde ensinam coreografias
de shaabi, de uma maneira mais estilizada, com poucos giros e poucos
deslocamentos ambos bem simples, mas nada que fuga da raiz, e é um pouco mais
refinado.
Em sua essência, o shaabi, não é coreografado, é o tipo
de dança que quando toca a música o povo levanta e começa a dançar.
Como em toda dança e em todo lugar, temos que ter cuidado
com o que vemos na internet..
Tem muitos videos de mulheres dançando shaabi,
escandalosamente, com mini saia, as vezes salto bem alto, e com perna aberta,
apelativo mesmo...mas temos que lembrar que essas seriam as consideradas “prostitutas”
(não sei se posso usar essa palavra, mas acho que talvez pra eles seja) que
são contratadas para dançar daquela maneira mesmo, geralmente nos casamentos
shaabi. E não é só shaabi que essas moças dançam...
Não é porque é shaabi que é baixaria, cuidado!!!
Não é legal e nem ético de nossa parte, representar uma
cultura e um povo, se baseando nesses videos apelativos...
Tem muitos outros videos onde se tem a dança “normal”.. estude esses videos, se baseie neles.. alguns
são engraçados, porque são pedaços de filme, e esses filmes são de comédia,
outros são as mulheres dançando, mas nada super pelativo nem vulgar.
Shaabi é sim uma dança pra se dançar em qualquer lugar.. restaurante, palco, festas, etc.. só
tem que se ter o cuidado com a letra, porque alguns shaabis não são pra dançar
ou então a letra é meio “pesada”, e sempre lembrar que é dança de raiz, nada de
passos que fugam do mais tradicional..
O que já fica difícil aqui no Brasil, pois a dança aqui foi
sendo muito lapidada ao longo dos anos, tem muita influência de ballet e outras
danças, ficando então realmente dificil conseguir representar o verdadeiro
shaabi, porque não só a música, a roupa e passos né gente.. é toda a ginga, a
pegada... e o sentimento...
Não é só sair fazendo um teatro, ou coisas engraçadas, ou
pior... meio piriguete...
Como a Farida Fahmy disse em uma entrevista (não é sobre
shaabi), não descaracterize o povo e a cultura em sua essencia, inventando
coisas pra dançar..
Não é entrar no palco, mascar chiclete, dançar igual “piriguete”,
com perna aberta, etc..
cuidado gente... não represente o lado ruim... represente
o lado bom!
Vou fazer uma analogia pra ver se entendem melhor, veja
bem analogia.. uma coisa não é a outra, nem se compara... Nada se compara...
sempre lembre-se disso.
Vamos pensar na Bahia.. lá temos o axé.. musicas simples,
alegres, com letras bem simples... tem as mulheres que dançam por divertimento,
as que dançam como profissão pois são bailarinas, e as que dançam mais
apelativo... bem ai tem tudo um problema social, que não citarei, mas que
sabemos a triste realidade... bem quando dançamos axé iremos dançar legal, se
divertindo, sensual talvez, mas nada demais, bem pelo menos eu não.. rsrs... é
isso.. não iremos dançar shaabi se baseando nas mulheres que dançam
apelativamente..
Agora uma outra analogia ainda na Bahia.. pegue esse povo
mais pobre da Bahia, mesmo com tanta dificuldade, eles ainda fazem música, e
tem alegria de viver, e transbordam muito essa alegria...
Entende o sentimento...? imagina então no Egito que além
de tudo, o povo sempre teve muita repressão de tudo, e mesmo assim, tem essa
alegria de viver, essa vontade de tentar melhorar a realidade, a dança e a
música, seriam como uma “libertação”, é divertido e as vezes engraçado sim, mas
não é só palhaçada... Pode ser palhaçada, mas isso não é ridículo, porque pra
eles tem significado real... talvez quem nunca teve dificuldade na vida não
entenda, ou quem nunca teve problemas sérios qualquer que seja, financeiro,
emocional, etc, também não entenda essa alegria toda deles e o porque da dança
tão solta, simples, alegre e cheia de emoção.. numa música que seria
considerada “pobre”, simples, e com letras “bobinhas”... ai aqui no Brasil rotulam
como somente palhaçada, algo meio vulgar, ou fútil... mas não é... É toda uma
cultura, um povo sofrido, e que tem forças pra viver feliz... pra eles tem
significado! e isso tem que ser respeitado!
Não é so a classe pobre que gosta e dança shaabi. São
todos.. até em casamento rico, tem o momento da música e dança shaabi.. cuidado
ao se classificar as coisas...
Shaabi atualmente é a onda no Egito.. está na moda..
Toca nas ruas, nos onibus, em casa noturnas, em
casamentos, shows...
"Dentro da sua rotina oriental essa música deve
estar no meio ou no final e nunca no início. Pois o início é o seu mecanse
(introdução), escolha colocar num momento em que você gostaria de brincar com o
público e é primordial saber a letra, pois é uma dança irônica e temos que o
tempo todo estar transmitindo a intenção do autor através de brincadeiras,
gestos, expressões faciais e corporais e o mais difícil tentar ao máximo
traduzir com todos esses gestos para quem não entende a língua árabe e o que o
autor esta querendo dizer.” (Hayat El Helwa)
“Originalmente
no shaabi se usava galabeya. Hoje em dia, com as regras de palco e show
mudadas, pode-se também dançar shaabi usando duas peças como figurino.” (Diana
Tarkhan - Cairo). Tem quem use também calça jeans. As vezes algumas usam um
sapato com salto, mas nada salto super alto e fino e bico finérrimo...
lembre-se de averiguar o que pode ter lá ou não.. tem dúvida, não use... não
imagine.. aaa eu acho que.. nãooo.. não faça, não use!
Bem
eu particularmente uso a galabeya, acho legar quando vamos representar uma
cultura e um dança tão “deles”, manter a uma vestimeta mais tradicional.
Cantores populares :Hakim, Shaban Abdul Raheem, Sami
Ali, Sahar Hamdy, Saad El Soghayar, Khaled Agag, Hassan El Asmar, Magdy Talaat and Magdy Shabin, Ameina, Marwa, Baarour.
Ainda
hoje em dia há muita repressão no Egito, e muitas vezes músicas shaabi são
censuradas nos meios de comunicação. Mas com a pirataria, internet e celular,
as musicas são passadas ao publico.
Há
tambem, uma enorme quantidade de músicos shaabi, que são conhecidos como DJ
Sufi e DJ Mulid. Eles saíram das Mulidas (festas religiosas), e remixaram
músicas para a juventude dançar.
“Desde
a virada do século 20, Mohamed Ali Street era o centro Shaabi principal desses
artistas baladis urbanizados - artistas
que tiveram suas raízes no país. Hoje, graças ou não graças à gentrificação das
peças históricas do Cairo e os necessidades econômicas para ir para os
arredores do Cairo, como a Feisal Street e Pyramids Road, o novo centro Shaabi
principal para os artistas - os músicos e cantores - é o celular e a internet.
Os bairros Shaabi estão agora ligados - quase como em um centro virtual Shaabi.”
“No
Cairo existe um local famoso nas montanhas iluminado somente por velas onde de
um lado tem uma tenda beduína montada para Dança Baladi e bem próximo uma outra
tenda beduína para a Dança Shaabi e onde temos condições de presenciar os dois
estilos simultaneamente. As músicas são diferentes, a maneira de dançar e as
roupas também. Embora, nesse mesmo local presenciei dançarinas locais dançando
com o traje de duas pecas e não galabya.” (Hayat El Helwa)
Espero poder ter
ajudado um pouco a entenderem melhor..
Lembre-se
sempre.. não é só uma dança e uma música.. é uma cultura e uma história por
trás... respeitem isso...não vamos deturpar ainda mais as coisas... né?!
(*)
Mawal é uma improvisação do cantor
“MAWWAL
= improvisação baladi ou saidi, onde as letras das músicas falam de amor
romântico, amizade, modo de vida baladi. No NEO-MAWWAL (Shaabi), as letras são
mais explícitas, fala-se da amizade e do modo baladi de viver, mas cantando com
modulações de linguagem como sarcasmo, metáforas e ironia.” (mestra Hayat El
Helwa)
Aqui Dina e Saad na cena de um filme, música El Enab (as
uvas)
Saad
e pessoas dançando shaabi
Este tipo de shaabi é muito divertido. Às vezes, um cantor tem um grupo de rapazes
dançando.
0 comentários
Marcadores: Feminino